27/10/2023

UM OLHAR CONFIANTE E CRÍTICO SOBRE CAXIAS DO SUL E A SERRA GAÚCHA

   Atualmente à frente da AMJD Administração e Participações, Astor Milton Schmitt, 80 anos, tem um envolvimento de décadas com os principais temas relacionados à comunidade de Caxias do Sul e da Serra Gaúcha. Por quase 40 anos exerceu diferentes funções na hoje Randoncorp, encerrando a carreira como diretor de relações com investidores. Ainda segue no conglomerado como vice-presidente do Conselho de Administração da Fras-le. Também é um dos diretores da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC Caxias) e integrante da nossa MobiCaxias 

   O empresário participou do evento do Mapa Econômico do RS realizado pelo Jornal do Comércio na CIC Caxias, na terça-feira (24), para debater o desenvolvimento econômico da região. Para Astor, Caxias e região passam por um bom momento econômico, mas ele alerta, nesta entrevista, que problemas estruturais que estão sem solução há décadas podem comprometer seriamente o crescimento e a manutenção das condições atuais.

   Entrevistador do Jornal do Comércio – Há alguns anos, em palestra na Câmara de Indústria, Comércio e Serviços, o senhor alertou que Caxias do Sul precisaria de mudanças estruturais urgentes sob pena de se transformar em uma “Nova Detroit”, que, literalmente, faliu. Este alerta ainda se justifica?

   Astor Schmitt – Sim, ainda mais contundente do que no passado. Mas é preciso desdobrar esta análise em duas situações distintas. A primeira é a conjuntura atual. A outra é para um horizonte de longo prazo. No curto prazo, apesar da pandemia e das crises econômicas, é preciso admitir que Caxias e a Serra Gaúcha, de forma persistente e resiliente, demonstram desempenho positivo, quer na geração de emprego, de renda, de receitas. Em 2022, a economia da cidade avançou 5,3%, puxada, essencialmente, pela indústria; até agosto deste ano, a alta é de quase 6%, agora por conta dos serviços e do comércio. É um resultado melhor que a média nacional. O comércio exterior vem se mantendo com crescimento anual, mesmo com a crise de um de seus principais parceiros comerciais, que é a Argentina. O setor empresarial conseguiu reverter esta adversidade fortalecendo mercados como Chile, Estados Unidos e México, dentre outros. No emprego, que determina boa parte da condição social, nos últimos dois anos e até agosto passado, foram criadas 17 mil novas vagas em Caxias. Hoje temos mais vagas do que mão de obra disponível. Estes empregos, associados a convenções coletivas de trabalho, resultaram em aumento de 34% na massa salarial, no acumulado de janeiro a agosto. Isto explica como o comércio consegue crescer mesmo com a concorrência desleal do e-commerce. Atividades de serviços crescem de forma exponencial, porque as pessoas têm investido mais em estética, lazer e gastronomia, dentre outros. Portanto, a economia está com bom desempenho, porque mais renda gera mais consumo. Visto por este lado, Caxias e região estão bem.

 Entrevistador do Jornal do Comércio Por que, então, a advertência sobre o futuro?

   Astor – Se lançarmos a visão para frente, veremos oportunidades, mas também grandes desafios. Temos ameaças sérias no horizonte, que não são novas, mas vêm sem resposta e se agravando ao longo dos anos. Alertei há alguns anos para a necessidade de atendimento destas demandas para que não se tornem intransponíveis. Reforço que temos vários pontos, mas destaco quatro que precisam de atenção especial. O primeiro é o capital humano. Estamos com uma dificuldade enorme de mão de obra qualificada, especializada. Não temos gente educada, preparada e capacitada para estas vagas. Quando olhamos para o ensino superior, fala-se em mais de 30 instituições em Caxias, mas a maioria com ociosidade. Na educação profissionalizante, o Sistema S oferece uma infinidade de oportunidades, mas também com ociosidade. Ou seja, não faltam recursos, nem espaços para formar mais gente. O problema está na educação básica, desde o ensino infantil. É uma educação deficiente e ruim, pois os jovens que saem do Ensino Médio sequer conseguem fazer uma conta de aritmética básica, nem uma redação. Por isso, não conseguem se habilitar para uma vaga técnica ou superior. Ou damos atenção à educação básica, que vejo como grande e primeiro desafio regional, ou vamos ter cada vez mais dificuldades. É um problema do poder público municipal e estadual. O problema não está em ter ou não uma universidade federal, está na base da educação.

  Entrevistador do Jornal do Comércio Infraestrutura e logística seguem sendo um problema muito sério...

   Astor – Diria que é dramático, temos o maior custo logístico do País, e um dos maiores do mundo. É um custo absurdamente alto, porque é difícil chegar à região com insumos do Centro do País e também é difícil sair com produtos acabados. Temos de nos unir e busca respostas para melhorar o transporte rodoviário. É preciso ter acessos de qualidade para a BR-101, com a duplicação da Rota do Sol; para Porto Alegre, com pista toda duplicada; mexer na Serra da BR-116; melhorar as ligações entre os municípios, estender a RS 448, em Portão. Felizmente, temos a concessão de algumas estradas na região, mas as melhorias efetivas irão demorar. Está muito clara a demanda do modal ferroviário. A concessionária não tem condições ou interesse nos antigos ramais desativados. Tem um projeto na Assembleia para regulamentar as ferrovias alimentadoras, sistema que funciona muito bem em países desenvolvidos. Precisamos defender isto, porque é a única forma de termos algo no modal ferroviário para todos os municípios, como se tinha antigamente. Há, ainda, o Porto de Arroio do Sal, imprescindível para a região, mas que encontra resistência em setores do governo do Estado. Ele é vital para a Serra, que teria um porto distante 200 quilômetros. Hoje se percorre 600 quilômetros até Itajaí ou 500 quilômetros até Rio Grande. A segunda região econômica do Estado merece uma instalação portuária mais próxima geograficamente. Mas parece que está começando a destravar. Por fim, o Aeroporto Regional, que ainda engatinha, apesar de todos os esforços. A comunidade, em bloco, deve insistir neste conjunto de modais, que precisam estar integrados. Isoladamente também não é solução.

 Entrevistador do Jornal do ComércioEstes dois desafios seriam a causa de outro problema, o qual é a atração de investimentos?

   Astor — Existe outro ingrediente mais sério. Não temos uma política, um comportamento voltado à atração de investimentos, que efetivamente funcionem. O poder público é limitado e ainda burocratizado, inibindo novos projetos. Falta uma política de incentivos fiscais sob o argumento da falta de recursos. Ninguém quer os recursos atuais, quer descontos em recursos novos, como outros estados e municípios fazem. Não disponibilizamos terrenos, nem infraestrutura básica. Sem isto, não se consegue atrair investidores. Se não jogarmos este jogo estamos fora. Enquanto não fazemos nada, não conseguimos nada. As ações colocadas em prática precisam ser medidas pelos resultados. E as nossas ações ainda são muito tímidas para fazer frente aos demais municípios. As empresas mais importantes de todos os segmentos estão investindo muito mais fora de Caxias. Novos projetos relevantes não desembarcam por aqui há muito tempo. Estamos limitados a pequenos projetos, enquanto em outras cidades fala-se em grandes investimentos, em especial na hotelaria, como Gramado, Canela, Bento Gonçalves e Garibaldi. Na indústria, são referências para Caxias as cidades de Joinville (SC), que atraiu dezenas de grandes projetos, como a fábrica de motores da General Motors, dentre tantos outros, Maringá (PR), Chapecó (SC), Gravataí, Guaíba. Outro ponto que ainda carece de ação é o adensamento das cadeias, com a visão de aproveitamento de oportunidades com inovação, novas tecnologias e meio ambiente, sendo um grande desafio por um lado, mas também um repertório fantástico de oportunidades por outro. Este conjunto de fatores começou a ser encaminhado na região, mas ainda segue como um desafio.

  Entrevistador do Jornal do Comércio As crises econômicas contribuem para esta situação?

   Astor — O que nos derruba é a crise estrutural, que vai jogando com o tempo, não a econômica. Temos uma economia robusta e resiliente. O problema é que os outros estão fazendo e nós seguimos olhando ou atuando muito timidamente. Nosso problema é de raiz. Gravataí atraiu a GM e multiplicou seu PIB por seis. Até o início dos anos 1980, Joinville tinha menos população e exportava metade das cifras de Caxias do Sul. Hoje, tem população muito maior, exporta o dobro de Caxias, tem todos seus acessos no entorno duplicados e três portos. Estes exemplos são resposta contundente ao que precisamos fazer.

  Entrevistador do Jornal do Comércio De quem é a responsabilidade para evitar que a situação se torne insuperável?

   Astor — Não é atribuição exclusiva do poder público, é responsabilidade também da sociedade civil organizada, envolvendo entidades empresariais, academia e representações comunitárias. O MobiCaxias, organização criada em 2014, puxa a discussão com base nestas demandas. Mas não tem sido fácil unir a sociedade caxiense, tem sido um grande desafio, é preciso um esforço concentrado e bem-intencionado no sentido de dar resposta a estas dificuldades. Se cada um demonstrar desinteresse e manter esta mentalidade, inevitavelmente, a cidade seguirá na curva descendente. Estamos bem agora, mas ao se erguer o tapete se vê que tem medidas urgentes a serem tomadas.

 Entrevistador do Jornal do Comércio  — Quanto tempo a cidade ainda suporta esta situação?

    Astor — Não sei precisar quanto tempo. Mas basta lembrar de Detroit, ou dos Estados Unidos todo, que no início dos anos 1980 não levou a sério a ameaça japonesa no segmento automotivo. No começo dos anos 1990, as marcas japonesas já controlavam 20% da produção norte-americana de veículos. No auge, Detroit tinha 2,5 milhões de habitantes e fábricas de todas as grandes montadoras. Hoje tem 600 mil habitantes e seja, talvez, o maior cemitério de galpões industriais do mundo. Quando não se leva nada a sério, isto acontece. Não sei quanto tempo ainda levará, mas Caxias precisa definir o dia zero para começar a fazer aquilo que é necessário e urgente. É necessário estimular a união e o trabalho despojado de interesses privados, com esforço concentrado, cobrando e monitorando. Só assim para seguir sendo a Pérola das Colônias. Sem isto, não teremos futuro promissor.

Saiba mais:

Leia sobre o evento

https://www.jornaldocomercio.com/mapa-economico/regiao-serra/2023/10/1128632-astor-schmitt-um-olhar-confiante-e-critico-sobre-caxias-do-sul-e-serra-gaucha.html

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